Não sei o que é! Confesso que nunca me preocupei em ponderar sobre a ilusão. Talvez seja a idade, o calor da maturidade ou o simples cansaço da infantilidade. Quero sentir tudo e sinto tudo. A intensidade move-me e comove-me. Sou um cristal que chora a realidade de outros enquanto minha. “Sentir tudo de todas as maneiras” segreda-me Campos ao ouvido da consciência. Respondo-lhe que quero ser tudo de todas as maneiras. Ele sabe que sou tão Nada que só o vazio me pode preencher. São as verdades do mundo que me isolam até de mim. Sou de uma tão peculiar e nefasta visão que me aqueço na imagem de um peso morto. Sou uma Garbo que ri na sua impossibilidade deixada sozinha à beira do passeio. Sou, num subtil desaire, uma Woolf suicida. Sou eu, então, naquela comoção dos dias.
Tenho descoberto na leitura uma noção de vida completamente diferente. Os autores, escritores, sonhadores aperceberam-se da dimensão real da nossa existência e imortalizaram-na de uma forma enigmática, sim, mas sempre profunda.
Sou uma incondicional leitora de Virginia Woolf. Espanta-me a sua capacidade de não-abstracção. O facto de um escritor ter o poder de transfigurar a realidade em realidade é incrível. A sua ficção deixa-nos uma sensação de morte lenta. De culpa pela existência. De necessidade. Mas é tão óbvio que no fim somos todos apenas e fatalmente mortais. Woolf recria-nos e obriga-nos a admitir o erro da Humanidade. Deixa-nos obcecados pela leitura e pela escrita como seriamos obcecados pelo oxigénio se ponderássemos sobre ele.
Em tempos deparei-me com a incrível ideia de reconhecer no Escritor um ser completo. Que não precisa de fama. Apenas “dinheiro e um quarto que seja seu”. Mais real do que isto apenas a vida. Mas essa, a escritora mostra-nos que nem existe. A ideia de escrever sozinho como se não se dependesse do mundo é um fascínio e um Drama. Uma veracidade encantadora e, ao mesmo tempo, de profunda loucura. O que leva estes seres brilhantes à morte? E morrem, de facto? Cem anos depois, Woolf é lida em todo o mundo. Cem anos depois, Woolf recria o mundo e deixa-nos sem fôlego. Cem anos depois, Woolf nunca se suicidou. Então o que a levou à morte? À loucura invisível de quem ouve vozes e se sente a profanar a sanidade mental?
Para mim, Woolf nunca morreu. Não existe nada que a defina para além dela. Virginia Woolf escreveu para a eternidade.
Ainda se escreverão cartas? Os poetas da vida talvez conservem a excentricidade do papel. Do envelope rasgado à pressa.
Há pouco tempo deparei-me (confesso que por distração. Um feliz acaso) com o mais recente trabalho de Ursula Doyle: "Cartas de Amor de Grandes Mulheres". Ainda hoje coro à lembrança de uma triste Josefina despedindo-se de Napoleão. Também me emociono ao recordar a tristeza subtil de Catarina de Aragão ao pressentir a sua morte, a sua desgraça.
Grandes mulheres. Impedidas de concretizar em segundos as emoções da alma dedicaram-se a escrevê-las.
Delicio-me com a espera a que se sujeitaram os corações. O que as separava dos seus eternos correspondentes eram dias de distância. Não resisto (num ataque poético) a pensar que talvez então o mundo fosse perfeito. Ou, pelo menos, mais contido. Cada palavra trabalhada, sentida, amargurada. Como se fosse um gesto . Um sussurro ao ouvido de quem lê. Tão diferente do agora.
Quando o silêncio era companheiro, as grandes mulheres escreviam. Imagino-as sentadas, de pena em punho, cultivando a paixão, o desejo, a saudade ou a triste derrota.
Essas grandes mulheres que, afinal, sempre foram grandes escritoras.
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